Assim como prometido, no final de dezembro o governo federal enviou mensagens de texto a servidores públicos civis e militares, aposentados e até presos do regime fechado cobrando a devolução do auxílio emergencial que foi recebido indevidamente.
Segundo o governo, 1,2 milhão de cidadãos brasileiros foram contatados entre os dias 21 e 22 de dezembro. As informações são de documentos do Ministério da Cidadania a que a TV Globo teve acesso.
A pasta ainda não divulgou o número de pessoas que efetivamente devolveram o dinheiro, nem explicou por que enviou mensagens a detentos do regime fechado. A lista de pessoas que tiveram benefício cancelado e, em seguida, foram acionadas por SMS para fazer a "devolução voluntária" inclui:
- 119.688 aposentados ou beneficiários do INSS;
- 5.929 servidores públicos civis;
- 4.453 servidores públicos militares;
- 3.401 presos em regime fechado.
O Ministério da Cidadania, que é responsável pela gestão do auxílio, não explicou como pessoas que constam na própria folha de pagamentos da União tiveram os cadastros autorizados.
A pasta também foi questionada sobre os benefícios pagos a presos em regime fechado e, também, sobre a lista de contatos telefônicos utilizada pelo ministério para enviar mensagens a esse grupo. O governo ainda não respondeu.
Motivos de cancelamento
Quase 600 mil cancelamentos do auxílio emergencial estavam associados a pessoas com emprego formal. Em seguida, aparecem no ranking 320 mil beneficiários com renda familiar mensal superior ao teto para recebimento do benefício (meio salário mínimo por pessoa e três mínimos ao todo).
A lista levantada pela reportagem conta ainda com beneficiários de seguro-desemprego ou seguro-defeso (93.032), donos de veículos e embarcações de alto valor (54.768) e dois políticos com mandato eletivo – os nomes não constam no documento obtido.
Há, inclusive, casos em que uma mesma pessoa descumpriu dois ou mais pré-requisitos para acessar o auxílio emergencial, mas recebeu o dinheiro mesmo assim.
Em um dos documentos obtidos pela TV Globo, o ministério reconhece que, mesmo utilizando 16 bases de dados do governo federal, não conseguiu evitar que os cadastros irregulares fossem efetivados.
"No processo de verificação de elegibilidade e concessão dos benefícios são utilizadas cerca de 16 bases de dados de registros administrativos do Governo Federal, e ainda, outras bases de dados, disponibilizadas por órgãos de Controle Interno e Externo da Administração Pública", diz o texto.
Benefícios cancelados
Ao todo, os documentos do Ministério da Cidadania apontavam em novembro o cancelamento do benefício para 3,85 milhões de pessoas, todos "passíveis de ações de recuperação dos recursos financeiros pagos indevidamente".
O número incluía 1,23 milhão de integrantes do Cadastro Único que, nas bases do governo, não estavam associados a "dados consistentes" de números de telefone. Por isso, apenas os outros 2,62 milhões poderiam ser contatados por mensagem de celular.
Segundo o Ministério da Cidadania, se todos estes beneficiários devolvessem pelo menos uma parcela do auxílio recebido irregularmente, a arrecadação superaria R$ 1,57 bi.
Mesmo assim, nem todos esses beneficiários receberam mensagens. O governo tirou da lista, por exemplo, pessoas que receberam o auxílio por conta de decisões judiciais, que já haviam devolvido voluntariamente os recursos ou que tiveram as parcelas devolvidas automaticamente por não terem feito saques em até 90 dias.
Ao fim, as mensagens foram enviadas apenas para 1,2 milhão de pessoas, com dois textos diferentes escolhidos aleatoriamente.
As mensagens de celular foram uma tentativa do governo de recuperar os recursos sem partir para a cobrança formal. O ministério recorreu ao que chamou de "estratégia de comunicação ativa", pedindo a "devolução voluntária" dos recursos. E reconheceu a existência de riscos na estratégia "experimental".
"É possível que algumas pessoas – por não entender a natureza da mensagem –, acionem a justiça contra a União, alegando dano moral ou constrangimento. Tais iniciativas teriam pouco efeito, pois o envio de SMS não se trata de ação de cobrança e há possibilidade de contestação administrativa", diz uma das notas que embasaram a estratégia.
Como devolver?
Quem recebe o benefício indevidamente, sem se enquadrar nos critérios do governo, pode responder criminalmente pela infração. A medida está prevista no art. 2º da Lei n.º 13.982/2020, segundo o Ministério da Cidadania.
Em maio, o governo federal lançou um site para facilitar a devolução do Auxílio Emergencial: devolucaoauxilioemergencial.cidadania.gov.br.
Ao acessar o sistema com o CPF, o usuário pode gerar uma Guia de Recolhimento da União (GRU) para ser paga nos canais de atendimento do Banco do Brasil ou em qualquer outro banco.